© Mariana Viegas

Vou contar uma história

Vou contar uma história.
Ou secalhar vou apenas falar de uma história. Não. Vou contar uma história. Vou evocar uma das personagens e contar a história através dela. Mais, vou acreditar na história como se ela realmente tivesse acontecido.
Vou evocar uma mulher, a quem vou dar o nome de SENHORA.
A SENHORA vive numa casa de pedra enorme, num castelo. Cheio de correntes de ar, de escadas, sombras, ecos. A imensidão do espaço torna-se ainda maior porque está vazio. As escassas mobílias são pesadas e escuras: mesas gigantescas, cadeirões que mais parecem tronos, arcas. Imagino um silêncio pesado e frio como a própria pedra, riscado impiedosamente por bandos de homens seguidos das suas comitivas, a tocarem oboés, a arrastarem armaduras, espadas, estribos, freios, a tocarem oboés, a vociferarem de raiva ou euforia em sintonia com o resultado obtido no campo de batalha, a tocarem oboés, sinos, badalos aldrabas, a tocarem oboés, e no meio, a comerem e beberem alarvemente em banquetes orgíacos, a tocarem oboés…
Às mulheres vejo-as como algo muito pouco claro, muito indefinido, mas decididamente muito presente e quiçá assustador para alguns, como as sombras que as velas e o fogo projectam na pedra, como o som que o eco traz, deslizante, distorcido, móvel mas decididamente presente. Como num sonho sonhado. Como a aia ou dama de companhia, a única outra mulher que temos a certeza que aqui vive, que vela, que observa… Depois nos bastidores, nas cozinhas, nos quartos, a risota, as lágrimas, as inconfidências, a brincadeira.
No meio de toda esta algaraviada e alarvice masculina, ergue-se SENHORA.
Mas vejamos como começa a história para ela e para mim, claro!
A SENHORA está mergulhada nesse silêncio imenso e frio, que fala de ausência. Lê uma carta....

1 comentário:

patanisca disse...

Querida lLuz princesa,
deixa-me partilhar contigo um texto maravilhoso que encontrei no blog de um amigo querido e que espero que te agrade. é sobre a intensidade, e a vida. logo, é tb sobre ti minha querida.

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo .O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.
Já ninguém quer viver um amor impossível.
Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido.Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.
O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido,do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas,farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem,tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona?
Já ninguém aceita a paixão pura, a saudades sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria,maluquice,facada, abraços, flores.
O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A"vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição.Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é anossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor émais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."